Contratos de Indenidade entre Sociedade e Administradores

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou o Parecer de Orientação n. 38/18 sobre contratos de indenidade entre companhias abertas e administradores e estabeleceu balizas gerais sobre o assunto.

Embora tais balizas constituam orientações não vinculantes e os destinatários precípuos sejam companhias abertas, é importante notar que tal Parecer de Orientação coloca em relevo requisitos de validade, condições de licitude e recomendações de melhores práticas de governança corporativa para contratos de indenidade que podem ser firmados entre qualquer sociedade e seus administradores.

Caracterização dos Contratos de Indenidade

Contratos de indenidade, conquanto não sejam negócios jurídicos delimitados por tipicidade legal, caracterizam-se, em geral, como negócios jurídicos de garantia, celebrados entre uma pessoa jurídica, de um lado, e um administrador de tal pessoa jurídica, de outro lado, por meio do qual a pessoa jurídica se compromete a pagar indenização ao administrador por despesas em que tal administrador seja obrigado a incorrer em conexão com processos ou reclamações (arbitrais, judiciais ou administrativos) relacionados ao exercício da função de administrador da pertinente pessoa jurídica.

Nesses termos, os contratos de indenidade guardam semelhanças funcionais com os contratos de seguro de responsabilidade civil profissional (referidos frequentemente como apólices D&O, em referência a directors & officers). Ambos os instrumentos podem ser oferecidos (alternativamente ou cumulativamente) pelas empresas a seus administradores como benefícios para que estes últimos desempenhem suas funções corporativas no interesse da sociedade com adequada latitude de independência.

Entretanto, especialmente no caso dos contratos de indenidade, podem surgir conflitos de interesse entre a sociedade e os administradores. Como consequência, a elaboração, celebração e execução desse tipo de contrato exige atenção, cautela e a adoção de procedimentos específicos.

Objeto dos Contratos de Indenidade e Exclusões

O conteúdo nuclear dos contratos de indenidade corresponde a uma garantia de indenização, em favor do administrador garantido, por despesas decorrentes de processos ou reclamações (arbitrais, judiciais ou administrativos) que envolvam a pessoa do administrador em conexão com o desempenho de suas atividades de administração da sociedade. Essa indenização, quando cabível sob os termos do pertinente contrato de indenidade, pode ser paga antecipadamente à materialização das despesas ou posteriormente, mediante reembolso – assim como também sucede na maioria dos contratos de seguro de responsabilidade civil profissional.

Sobre a garantia de indenização prevista nos contratos de indenidade também incidem causas de exclusão da cobertura. A CVM, no parecer mencionado, indica 3 (três) gêneros de exclusões – trata-se de atos dos administradores praticados:

fora do exercício de suas atribuições;
com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou
em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento do interesse social da empresa.
Também nos contratos de seguro D&O tais hipóteses de exclusão da garantia costumam ser enunciadas (algumas, inclusive, por exigência legal ou regulamentar). Ou seja, em tais situações, o administrador não poderá contar com a garantia do contrato de indenidade, nem com a garantia securitária de uma apólice de seguro D&O que a sociedade eventualmente tenha contratado em seu benefício.

Como se percebe, tais hipóteses de exclusão da garantia constituem-se de cláusulas gerais que demandam um especial esforço interpretativo de concreção. Isto é, a interpretação das cláusulas de exclusão da garantia invoca a ciência do direito para operacionaliza-las; e a sua aplicação aos casos reais exige o confronto entre tais cláusulas e todo o material probatório e fático subjacente à reclamação ou processo que envolve o administrador. Quando a empresa houver contratado uma garantia securitária em benefício do administrador, essa espécie de verificação se dá no bojo de um procedimento de regulação de sinistro, no qual participam especialistas da própria companhia seguradora e, por vezes, peritos e escritórios externos. No caso dos contratos de indenidade, a definição da competência para decidir sobre os pagamentos de indenização é um pouco mais complexa, como veremos a seguir.

Processo Decisório

Nos documentos organizativos das competências dos órgãos da sociedade e também no próprio contrato de indenidade deve-se definir qual ou quais órgãos da sociedade serão responsáveis pela verificação do cabimento ou não da incidência de garantia em cada caso concreto e qual o procedimento que tal órgão deve observar ao decidir cada caso que lhe seja submetido.

O procedimento decisório sobre a concessão ou não da garantia prevista no contrato de indenidade, conforme ressaltou o Parecer de Orientação da CVM, deve atentar parar circunstâncias especiais de cada sociedade, a saber: (i) se mais da metade dos administradores serão beneficiários diretos de uma certa concessão de garantia para um determinado caso; (ii) se há divergências entre os membros do órgão decisório a respeito do cabimento ou não da garantia no caso concreto sob análise; (iii) se a exposição financeira da sociedade se mostraria significativa caso a garantia fosse concedida no caso concreto sob análise. Em tais e outras situações especiais, o contrato de indenidade e os documentos organizativos da sociedade deveriam prever procedimentos especiais para garantir que o contrato de indenidade seja cumprido sem riscos à governança corporativa da sociedade.

Divulgação dos Contratos de Indenidade

A CVM, no referido Parecer de Orientação n. 38/2018, recomenda que a diretoria e o conselho de administração de cada sociedade deliberem a respeito da possibilidade de celebração de contratos de indenidade previamente a tal celebração, inclusive com a produção de um parecer circunstanciado sobre o assunto, “no qual se descreva os fundamentos pelos quais os órgãos entendem que os termos e condições fixados no contrato mitigam os riscos de conflito de interesses inerentes a esse tipo de contratação e equilibram os interesses da companhia em jogo” (pág. 4 do Parecer de Orientação n. 38/2018).

Ademais, as companhias abertas deverão disponibilizar documentos e informações a respeito de eventuais contratos de indenidade firmados com seus administradores no Módulo IPE do Sistema Empresas.NET, sob a categoria “Contratos de Indenidade”. Além da existência do contrato de indenidade, a companhia deverá divulgar, também os principais termos e condições de tal contrato.

Mesmo nas companhias fechadas a celebração e execução dos contratos de indenidade devem observar muitas das precauções indicadas acima, pois o pagamento de indenizações aos administradores da sociedade sem observância a certas regras jurídicas pode, em tese, configurar confusão patrimonial (entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio dos administradores), e tal confusão patrimonial sujeita-se a um regime de sanções jurídicas específicas.

Para informações adicionais, a Equipe da BLS Advogados encontra-se à sua disposição.

O presente documento é oferecido pela BLS Advogados com propósitos informativos apenas, e não constitui parecer ou aconselhamento jurídico.

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